AIRTON MANOEL DIAS
Administrador, palestrante, consultor e diretor do Fórum Couromoda
O publicitário e empresário da comunicação Júlio Ribeiro, presidente do Grupo Talent, destacou numa de suas muitas palestras que estamos vivendo a era do pós-consumo, na qual a sobrevivência das espécies pressupõe a capacidade de adaptar-se, de aceitar e praticar novos valores. Afirmou que empresas estão desaparecendo por deixar de oferecer produtos que o mercado deseja, pela dificuldade de entender que vivemos uma nova realidade, com problemas igualmente novos, que não podem ser tratados com velhas respostas.
Aproveitando as dicas do mestre Júlio, gostaria de analisar as relações comerciais entre fabricantes e lojistas, extremamente distantes do que seria ideal, a julgar pelo que tenho visto no contato com o varejo e a indústria de calçados. Os fabricantes queixam-se das dificuldades enfrentadas para “vender a produção” e encontrar novos espaços para suas marcas. Os lojistas, por sua vez, apontam as dificuldades em encontrar fabricantes que sejam mais do que “simples fornecedores” e que entendam as novas necessidades do varejo.
Quando o mercado está em alta, como vem ocorrendo nos últimos dez anos, vender é uma ação mais fácil. Isso leva as empresas a preocupar-se unicamente com produto, produção e pedidos. Ficam assim mascaradas práticas desatualizadas na gestão das vendas e dos produtos, que despontam com força à primeira dificuldade de mercado, transformando em verdadeiras crises o que poderiam ser meros ajustes.
No varejo, crescimentos de 10 a 12% ao ano escondem os excessos de estoques e de liquidações, erros de compras e de preços. Entretanto, bastam cinco ou seis meses de crescimento menor, ou de estabilidade no consumo (como o que vivemos no primeiro semestre de 2014), para que queixas amargas sejam disparadas em todas as direções. A culpa recai sobre os produtos, as equipes de vendas, a economia e o governo, como se, por um passe de mágica, 203 milhões de pessoas parassem de comprar sapatos!
“RARAMENTE VEJO ALGUÉM PROCURANDO DESCOBRIR
O QUE EXIGE ESSE MUNDO NOVO”
Pinçando três colocações estratégicas do publicitário Júlio Ribeiro, vemos que:
• Para enfrentar um mercado que se modifica continuamente, a empresa precisa ser contemporânea. Diagnosticar as novas bases de concorrência e como a empresa nelas está inserida é o primeiro passo para desenvolver soluções para novos problemas de produtos, atendimento, serviços, tecnologia da informação, relações comerciais, parcerias e logística. Ser contemporânea é estar preparada para fazer ajustes e manter a competitividade preservada.
• Oferecer produtos que o mercado não deseja mais é pura incompetência. Para produtos fora de contexto não há vendedor que dê jeito, nem desconto que traga pedido com lucro. Mesmo para quem trabalha com todos os recursos de pesquisa e do marketing, e com elevada dose de acerto nos produtos, é cada vez mais difícil diferenciar-se somente através de produtos. Materiais dos mesmos fornecedores, conceitos e/ou estilos de moda obtidos nas mesmas plataformas de pesquisas levam ao desenvolvimento de coleções de tal forma similares que nem sempre a marca, por mais conhecida que seja, consegue obter a diferenciação na vitrine.
• É urgente aceitar as mudanças e modificar as práticas internas. Um bom começo é encarar com humildade o fato que, por mais forte que a empresa possa ser, o mercado é sempre maior. É ele que dita as regras do jogo. Nadar contra essa correnteza só traz estresse, desentendimentos, desilusões e problemas no caixa!
• É preciso fazer diferença para o caixa do cliente e não apenas achar que somos diferentes pela marca que temos e pelo produto que oferecemos. Sua empresa preocupa-se em oferecer giro com lucro ao lojista, ou você ainda está no time daqueles que dizem que, depois do produto entregue, o problema é do varejo? Giro e lucro é o que importa.
• Pedidos são consequência de uma série de ações que antecedem a venda. Agilidade, atendimento, criatividade comercial, logística e parcerias bem construídas formam o time de diferenciais competitivos que realmente contam na hora da venda.
“O MERCADO BRASILEIRO DE CALÇADOS CONTINUA VIVÍSSIMO”
Temos um dos maiores mercados do mundo, que consume em torno de 800 milhões de pares/ano. Diante dessa grandiosidade, vejo gente questionando: “como é que eu não consigo vender os meus 2.000 pares/dia”? Proponho fazer uma reflexão:
• Como estão as relações com seus clientes lojistas? Continuam naquele marasmo de sempre, feitas unicamente à distância, através da equipe de vendedores, pelo celular, internet, skype e coisas do gênero?
• A empresa tem um plano de diferenciação de clientes tipo ABC, com plano de atendimento e política comercial adequadas a cada nível?
• A empresa participa de feiras? E vai às feiras unicamente com o objetivo de “tirar pedidos” ou tem um plano concreto para aproveitar esta riquíssima oportunidade de desenvolver negócios, aprofundar parcerias e resolver impasses junto a centenas de lojistas?
• Em tempos de alta competitividade, vender deixou de ser uma mera ação comercial, que transfere o estoque da fábrica para o estoque da loja. O novo foco está no bom atendimento, nos serviços, na parceria e, naturalmente nos produtos. É isso que vai gerar valor para o cliente. E é o valor reconhecido que levará às vendas e aos pedidos.